Hoje vou escrever sobre poesia, assunto do qual não sou um grande especialista ou estudioso, mas apenas um admirador.
O Anselmo foi o autor do único post (leia aqui) sobre o tema aqui no blog, onde ele abordava a poesia expressionista alemã.
Na minha estréia nesta área, vou direto ao meu poeta preferido, e sua grande obra-prima. Falo do francês Charles Baudelaire e seu livro publicado em 1857 chamado "As Flores do Mal".
Este lançamento aliás, é tido como o grande marco do Simbolismo, importante movimento literário e artístico do século 19. Autores franceses fundamentais como Arthur Rimbaud, Paul Verlaine (gosto de ambos) e Stephane Mallarmé (conheço pouco) foram reconhecidamente influenciados por este livro. Outros gênios como Balzac, Flaubert e Victor Hugo também eram admiradores declarados de Baudelaire.
Mas ele teve sérios problemas quando do lançamento de "As Flores do Mal", chegando a ser processado por obscenidade e blasfêmia e tendo que retirar 6 poemas (incluídos posteriormente no livro "Marginália de 1866) da publicação original. É uma pena que Baudelaire não tenha gozado plenamente do prestígio e reconhecimento merecido em vida, pois apesar de ter aproveitado de forma intensa as noites de Paris (gastou tudo o que tinha com bebidas, drogas, mulheres e no jogo), sua verdadeira relevância para a poesia moderna só virou unanimidade já no século 20, anos após sua morte com 46 anos de idade em 31 de agosto de 1867.
Sobre a obra em si, não há como detalhar, devido a complexidade do que se encontra nestas preciosas páginas. Poderia resumir como, melancólico, sombrio, ríspido. Definitivamente não é o tipo de leitura recomendada para elevar o astral de ninguém. Pelo contrário, tem o efeito de nos levar para um universo particular de idéias não convencionais mas por vezes muito próximas.
O certo é que vale muito a pena conhecer o poeta maldito, o poeta da dor. Como bem descreve a apresentação da editora Nova Fronteira traduzida por Ivan Junqueira na edição de 1985 (é a que tenho), "A poesia de Baudelaire é a consumação verbal do indizível".
Abaixo, deixo o poema que abre "As Flores do Mal". Chama-se "Ao Leitor", cujo último verso ao chamar o leitor de hipócrita, completa com "meu igual, meu irmão!" e dá uma amostra do que vem pela frente.
Somente como outra amostra, na sequencia deixo "Spleen II".
Ao Leitor
A tolice, o pecado, o logro, a mesquinhez
Habitam nosso espírito e o corpo viciam,
E adoráveis remorsos sempre nos saciam,
Como o mendigo exibe a sua sordidez.
Fiéis ao pecado, a contrição nos amordaça;
Impomos alto preço à infâmia confessada,
E alegres retornamos à lodosa estrada,
Na ilusão de que o pranto as nódoas nos desfaça.
Na almofada do mal é Satã Trimegisto
Quem docemente nosso espírito consola,
E o metal puro da vontade então se evola
Por obra deste sábio que age sem ser visto.
É o Diabo que nos move e até nos manuseia!
Em tudo o que repugna uma jóia encontramos;
Dia após dia, para o Inferno caminhamos,
Sem medo algum, dentro da treva que nauseia.
Assim como um voraz devasso beija e suga
O seio murcho que lhe oferta uma vadia,
Furtamos ao acaso uma carícia esguia
Para espremê-la qual laranja que se enruga.
Espesso, a fervilhar, qual um milhão de helmintos,
Em nosso crânio um povo de demônios cresce,
E, ao respirarmos, aos pulmões a morte desce,
Rio invisível, com lamentos indistintos.
Se o veneno, a paixão, o estupro, a punhalada
Não bordaram ainda com desenhos finos
A trama vã de nossos míseros destinos,
É que nossa alma arriscou pouco ou quase nada.
Em meio às hienas, às serpentes, aos chacais,
Aos símios, escorpiões, abutres e panteras,
Aos monstros ululantes e às viscosas feras,
No lodaçal de nossos vícios imortais,
Um há mais feios, mais iníquo, mais imundo!
Sem grandes gestos ou sequer lançar um grito,
Da Terra, por prazer, faria um só detrito
E num bocejo imenso engoliria o mundo;
É o Tédio! - O olhar esquivo à mínima emoção,
Com patíbulos sonha, ao cachimbo agarrado.
Tu conheces, leitor, o monstro delicado
- Hipócrita leitor, meu igual, meu irmão!
Spleen
Eu tenho mais recordações do que há em mil anos.
Uma cômoda imensa atulhada de planos,
Versos, cartas de amor, romances, escrituras,
Com grossos cachos de cabelo entre as faturas,
Guarda menos segredos que o meu coração.
É uma pirâmide, um fantástico porão,
E Jazigo não há que mais mortos possua.
- Eu sou um cemitério odiado pela lua,
Onde, como remorsos, vermes atrevidos
Andam sempre a irritar meus mortos mais queridos.
Sou como um camarim onde há rosas fanadas,
Em meio a um turbilhão de modas já passadas,
Onde os tristes pastéis de um Boucher (pintor francês) desbotado
Ainda aspiram o odor de um frasco destampado.
Nada iguala o arrastar-se dos trôpegos dias,
Quando, sob o rigor das brancas invernias,
O tédio, taciturno exílio da vontade,
Assume as proporcções da própria eternidade.
- Doravante hás de ser, ó pobre e humano escombro!
Um granito por onbdas de assombro
A dormir nos confins de um Saara brumoso:
Uma esfinge que o mundo ignora, descuidoso,
Esquecida no mapa, e cujo ápero humor
Canta apenas aos raios do sol a se por.
Sandro
Grata surpresa encontrar poesia! Gosto dessa diversificação que enconto aqui no seu blog.
ResponderExcluirBJ
Esse senhor bebeu muito em Lautréamont!
ResponderExcluirSandrão....demais...ótima lembrança....vou ter que ir na sequência!
ResponderExcluirAnselmo