Como vocês já devem ter percebido, o assunto shows (leia mais aqui) é recorrente em nosso blog. Afinal, para amantes da música, o show é o momento em que o artista se expõe ao seu público totalmente despido da proteção que um bom estúdio e um bom produtor musical podem trazer. É a chamada hora da verdade.
Claro que as performances ao vivo não tornam melhores ou piores os trabalhos criados e gravados em estúdio, pois mesmo quem opta por não fazer shows ou mesmo tem apenas apresentações medianas, pode criar obras musicais relevantes.
Este post também é sobre shows. Porém não escreverei sobre um artista. A figura citada no título, não cantava, não tocava e não compunha. Bill Graham foi simplesmente o maior produtor de shows de todos os tempos. É o que afirma o jornalista norte-americano Robert Greenfield (ex-editor da revista Rolling Stone), co-autor da biografia desta fera dos bastidores. E é sobre esta biografia que vou escrever hoje.
O livro "Bill Graham apresenta: Minha vida dentro e fora do rock", foi lançado originalmente em 1992 lá na gringa e no final do ano passado aqui no Brasil pela editora Barracuda.
Na época do lançamento, lembro que fiquei bastante interessado em ler sobre um cara com tantas histórias sobre os bastidores da música. Adiei um pouco, até que neste ano, comprei e li a obra. Acabei me surpreendendo, pois o livro é bem melhor do que eu esperava.
Para começar, esta biografia é bem completa (são 555 páginas) é não se resume somente na fase de Bill na indústria do entretenimento. Praticamente 30% do livro é dedicado em contar como o pobre garoto alemão de origem russa, que era judeu, conseguiu escapar da caçada nazista com apenas quatro anos de idade, pagando o preço de ter sido separado de sua mãe e irmãs, vagando por diversos países da Europa até chegar de navio aos EUA, sozinho e sem falar uma palavra em inglês. É uma história de vida que só por esta parte já merecia ser lida. Os relatos trazem de forma muito explícita os horrores pelo qual passaram suas irmãs, que separadamente também conseguiram sobreviver e fugir da morte (sua mãe não teve a mesma sorte). Uma delas, inclusive foi prisioneira num campo de concentração.
Depois o livro nos conta, nas próprias palavras de Bill, seu drama para conseguir ser adotado, sua infancia e adolescência nas ruas do Bronx em Nova Iorque, suas peripécias no período que trabalhou como garçom, até a descoberta da profissão de promotor de shows, que ele reinventou e transformou em algo tão importante quanto o artista (pelo menos em termos de indústria).
Bill mostrou a todos que era possível ganhar um dinheiro considerável fazendo shows de qualidade e respeitando o público. Ele mostrou o caminho para que a coisa se tornasse uma indústria. Foi o primero cara a realmente se preocupar com o local dos shows, com a iluminação, com o equipamento de som, com os horários.
Oficializou todo este cuidado montando a lendária casa de shows Fillmore West em São Francisco e depois a Fillmore East em Nova Iorque. As passagens onde ele conta os esforços para conseguir abrir estes espaços são deliciosas. Tocaram nestes locais praticamente todas as bandas de alguma relevância no meio musical durante os anos 60 e 70. As razões e a forma com que Bill teve que fechar as casas anos depois também são contadas em detalhes e ilustram bem como funcionam as coisas no mundo dos negócios.
Provavelmente você já deve ter ouvido algum disco ou assistido algum vídeo gravado num dos Fillmore. Só de albuns ao vivo gravados lá foram quase cem.
Depois de fechar as casas (Bill ainda teve outra chamada Winterland, muito famosa também), Graham dedicou-se a organizar grandes turnês pelos EUA, passando a ser um gerenciador de shows grandiosos. Só como exemplo, ele organizou junto com o Bob Geldof o festival Live Aid (como, eles conta no livro).
E dá-lhe histórias e mais histórias sobre o show business. São passagens de artistas como Santana, Grateful Dead, Bob Dylan, Rolling Stones, Janis Joplin, Jimi Hendrix, The Doors, The Who, Led Zeppelin, Eric Clapton, Bob Geldof, Neil Young, Graham Nash e muitos outros, contadas as vezes por eles mesmos, as vezes por Bill, as vezes por pessoas que estavam próximas e viveram aquela fase.
Cito três. A antalógica treta de sua equipe com a trupe que acompanhava o Led Zeppelin numa turnê norte-americana (coincidentemente a última vez que tocaram nos EUA). As difíceis negociações para ser o responsável pela turnê dos Rolling Stones nos EUA que são contadas em detalhes, com alto tom de dramaticidade. E o fascínio de Bill com a ascenção de Otis Reding (escrevi isso no posto sobre o Otis, aqui). E tem muito mais.
Há espaço ainda para a opinião as vezes não tão boa dos concorrentes e adversários. Há espaço para tratar da ausência de Graham como marido e pai. Há espaço para as frustrações.
Nem tudo é alegria no livro, que termina contando a forma trágica como Bill morreu em 1991, saindo de um show num helicóptero que devido a uma forte chuva caiu no meio do caminho e a repercussão e comoção que esta notícia causou no meio dos artistas que aprenderam a respeitar Bill Graham no decorrer de sua vida vencedora.
Uma coisa interessante, é que o livro todo foi editado em forma de depoimentos na primeira pessoa (estilo "Mate-me, por Favor", post aqui), organizados de um jeito a permitr que a história seja contada de forma ágil e linear. Foram centenas de entrevistas feitas por Robert Greenfield , sendo grande parte relatos do próprio Bill. Este formato facilita a leitura, impedindo que fique maçante.
Só mais dois detalhes. O nome do livro é baseado nos letreiros dos shows que Graham organizava, onde sempre antes do nome do artista, em letras não menores do que o grande nome da noite, aparecia "Bill Graham Presents:".
Outra coisa legal é que esta biografia tem um prefácio muito bacana escrito pelo Peter Townshend.
Enfim, um livro delicioso que merece se lido. Para quem gosta muito de música então, é fundamental. Serve para entendermos como foi o início desta imensa indústria que gera tantos milhões de dólares a cada ano. Recomendo.
Sandro
Conhecia o Bill mas n"ao sabia que existia uma biografia do cara...legal!!!!
ResponderExcluirAnselmo