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sexta-feira, 7 de maio de 2010

LUIS BUÑUEL - SURREALISMO NO CINEMA

Todos ou quase todos já devem ter classificado alguma coisa ou algum acontecimento como surreal. É uma palavra utilizada até com certa frequencia. Podemos definir surreal como sendo tudo aquilo que está acima da realidade. Outra definição é a de que surrealista é a pessoa que deixa o mundo real para entrar no irreal.

Numa semana onde esperanças surreais trazem frustrações para muitos amigos queridos, decidi abordar o tema, mas dando ênfase ao cinema. E aí não tem como escrever sobre outra pessoa que não seja o cineasta Luis Buñuel, que está entre os meus diretores preferidos em todos os tempos.

Nascido na Espanha em 1900, Buñuel pode ser considerado um cosmopolita. Após passar a infância e juventude no país onde nasceu, mudou-se para Paris onde junto com Salvador Dali (talvez o maior sinônimo do surealismo nas artes) realizou o filme "o Cão Andaluz". Era um curta-metragem de 16 minutos, com imagens muito fortes para a épca (1929) e um roteiro surrealista ao extremo. A obra não passou desapercebida e teve uma ótima repercusão no meio artístico. Ainda hoje o filme é reconhecido por muitos como uma obra-prima, que afirmo, estando o espectador aberto a novas experiências, o impacto persiste.

Logo no ano seguinte, ainda em parceria com Dali, filma "A Idade do Ouro", trabalho que gerou muita polemica na França por apresentar críticas duras a Igreja. Durante esta fase, Buñuel afastou-se de Salvador Dali, com quem chegou a ter um sério desentendimento, o que o motivou a retirar o nome do famoso artista dos créditos do filme. Também recheado de imagens fortes, devo dizer que esta obra é muito recomendada aos fãs de cinema que estejam dispostos a conhecer outros tipos de linguagem cinematográfica.

Depois destes primeiros cartões de visita do mais alto nível, Buñuel se perdeu um pouco. Pelo menos quanto ao ponto de vista de grande diretor de cinema. Voltou para a Espanha no início da década de 30 onde filmou alguns documentários, mas com o início da Guerra Civil Espanhola, exilou-se na França, de onde partiu para os EUA, indo trabalhar no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque. Sua tendência comunista, não facilitou sua vida na América e Buñuel mudou-se para o México, onde voltou a trabalhar diretamente com o cinema. Porém passou muito tempo sem realizar nada que causasse impacto ou que justificasse a fama de transgressor adquirida no começo da carreira.

Este cenário muda em 1950, quando filma na Cidade do México, "Os Esquecidos". Voltando a usar elementos surrealistas, ainda que levemente, ele consegue voltar a chamar a atenção do cenário mundial para seu trabalho. Segue-se então uma sequencia de bons filmes rodados na década de 50, sendo todos produzidos no México.

Em 1960, Buñuel retorna para a Espanha para filmar um dos mais belos filmes da história do cinema. "Viridiana" é lançado em 1961 e conta a história de uma garota que pouco antes de ser ordenada freira, passa uns dias na mansão do seu pervertido tio, que obcecado com sua beleza, tenta seduzi-la de todas as maneiras. Mas este tio morre e inesperadamente Viridiana desiste da vida religiosa, indo morar na mansão. Movida pelo espírito de caridade cristã, ela abriga e alimenta todos os mendigos da região e acaba descobrindo que os miseráveis não se comportam do jeito que ela esperava. O filme teve excelente avaliação da crítica mundial e ganhou a Palma de Ouro em Cannes, mas foi proibido pelo regime do ditador Franco de ser exibido na Espanha.

Com mais moral, o cineasta volta para o México onde dirige seu melhor filme na minha humilde opinião de fã. Falo de "O Anjo Exterminador". Um filme fantástico absolutamente calcado numa idéia sureal (após uma farta refeição, os convidados se sentem estranhamente incapazes de deixar a sala de jantar e, nos dias que se seguem, pouco a pouco, o grupo passa a viver como animais). Não tenho palavras para descrever este filme. É simplesmente sensacional.

Depois de mais um filme no México, em meados da década de 60, Buñuel estabelece residência na França onde passa a ambientar seus próximos flmes. Á partir daí produz uma série de ótimos filmes.
Destaco "A Bela da Tarde" de 1967, talvez seu filme mais conhecido, pois mesmo que você não tenha assistido, já deve ter se deparado com alguma referência sobre a história da bela mulher casada e rica que insatisfeita com seu marido passa a trabalhar num bordel durante o período da tarde.
São excepcionais também, "Tristana" de 1970, o maravilhoso "O Discreto Charme da Burgiesia" de 1972 e por fim "Esse Obscuro Objeto do Desejo" lançado em 1977, sendo este seu último trabalho.

Devido a idade avançada e a problemas de saúde (ele não era um exemplo de vida saudável), o diretor deixa as atividades no cinema e volta a morar na Cidade do México, onde morreu em 1983.

Juro que quando iniciei este post, a idéia era colocar algo mais breve, mas não deu. Me empolguei e tive que editar no final para encurtar um pouco a coisa.

A mensagem que quero deixar aqui é que apesar de não ser tão fácil achar filmes de Luis Buñuel, a experiência de conhecer o trabalho deste gênio da história do cinema é muito válida. Para começar, escolha qualquer um dos que citei acima, dispa-se de preconceitos contra filmes de arte e aproveite. Quem sabe, Buñuel não mexe com a sua cabeça, como mexeu com a minha e de tantos outros fãs da sétima arte (Almodóvar, por exemplo). 

Sandro

3 comentários:

  1. Não nos esquecendo é claro de O Diário de Uma Camareira,O Fantasma da Liberdade,Robison Crusoé, nossa são tantos mas infelizmente não são facéis de se encontrar.Uma pena por que muitos não conhecem este gênio e seu trabalho!Que é um excelente trabalho.

    Beijos,sempre um prazer passar por aqui.

    Ps.:Convido vocês a conhecer mais um dos meus blogs,sobre jazz e blues,será um prazer te-los por lá bluesnblues.blogspot.com.

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  2. Boa Sandro,

    e os acontecimentos surreias estão aí, a nossa volta, na vida particular, no trabalho, em nossa imaginação, ou mesmo na tela da TV.

    Anselmo

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  3. Olá!
    Parabéns pelo "post" em forma de lembrança desse genial realizador que é Luis Buñuel (penso ter toda a sua filmografia - alguma com ajuda da net).

    Quanto ao surrealismo e ao(s) seu(s) conceito(s), talvez merecesse, não digo uma abordagem mais profunda (aos confins do inconsciente e subconsciente) mas mais clarificada. Aproveito para deixar um link para o livro de referência que lançou as bases teóricas e iniciou o movimento: André Breton - o Manifesto do Surrealismo, 1924 - http://www3.uma.pt/dmfe/manifesto_surrealista.pdf
    À parte das polémicas geradas entre a teoria e a prática, teóricos e artistas, mais politizados ou ideologicamente envolvidos ou menos, o mecanismo de criação surrealista é na prática, a meu ver, impossível. Se não vejamos: partindo do princípio que o artista deve entregar-se e criar de forma inconsciente, automática e ao nível do onírico uma determinada obra, acabamos por nos confrontarmos com uma contradição irresolúvel - o simples acto de pensar que processo técnicos utilizar sobre um dado suporte material (escolha de pincéis, cores, planos, perspectivas, composição e enquadramentos, etc., implica uma operação consciente, racionalizada, logo, contrária ao processo automático (mesmo sob o efeito de substâncias psicotrópicas e outras drogas).
    Sem dúvida que a fonte de inspiração se alimenta dos sonhos e do inconsciente; sem dúvida que os artistas conseguiram uma linguagem própria que imediatamente identificamos com a palavra "surreal", mas esta contradição que acabei de explanar, parece-me o "calcanhar de Aquiles" do surrealismo.
    Outra faceta da palavra é a sua utilização no vocabulário corrente, como adjectivo de algo estranho, bizarro, irreal, onírico, etc., o que levou ao afastamento entre o significado inicial e a adjectivação quotidiana. Por exemplo, é comum ouvirmos pessoas dizerem que Hieronymus Boch foi um pintor surrealista, o que é obviamente errado. Compreendemos o que querem dizer: que as figuras e a atmosfera dos seus quadros são de tal forma estranhos e, aos olhos da cultura do nosso tempo, irreais que parecem "surreais". Ora, estas observações sobre os quadros de Bosch apenas evidenciam essa distância cultural e imagética face à nossa contemporaneidade. Os contemporâneaos de Bosch compreendiam perfeitamente as suas mensagens, alegorias, críticas e sátiras - coisa que só conseguimos hoje através de um estudo histórico).
    Enfim, não me queria ter alongado tanto...

    Para acabar, o uso da palavra "surrealista" é um pouco como o adjectivo "felliniano" ;-)

    Parabéns pelo blog!

    Abraço

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